Planejamento Regenerativo através de Mulheres que Transformam o Território

Conheça o poder do planejamento regenerativo liderado por mulheres e como ele transforma comunidades, territórios e políticas com cuidado e ancestralidade.

Cuidar da Terra é também escutar as mulheres que nela semeiam sonhos e resistência

Quando falamos em regenerar territórios, logo pensamos em reflorestamento, agricultura sustentável ou recuperação de áreas degradadas. Mas há um aspecto essencial que muitas vezes é esquecido: quem está regenerando? E mais ainda, como essas pessoas se organizam, planejam e decidem o futuro de seus territórios?

Neste artigo, vamos mergulhar na potência do planejamento regenerativo com mulheres, uma abordagem que une práticas sustentáveis, justiça de gênero, saberes tradicionais e participação ativa das mulheres na tomada de decisões. Essa perspectiva está profundamente conectada à Agenda 2030 da ONU, especialmente com os ODS 5 (Igualdade de Gênero), ODS 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis) e ODS 15 (Vida Terrestre).

Ao dar voz às mulheres que constroem suas comunidades com afeto, resiliência e visão de futuro, transformamos o planejamento em ato político, social e ecológico. Vamos juntas explorar essa transformação?

O que é Planejamento Regenerativo?

Muito além do desenvolvimento sustentável

Enquanto o desenvolvimento sustentável busca equilibrar necessidades atuais e futuras, o planejamento regenerativo vai além: ele promove a cura dos danos já causados aos ecossistemas e às relações sociais.

Essa abordagem parte do princípio de que o ser humano é parte da natureza, e não seu dominador. Por isso, todo projeto regenerativo deve incluir aspectos:

  • Ambientais (solo, água, biodiversidade);
  • Culturais (saberes locais, ancestralidade);
  • Sociais (equidade, justiça, inclusão);
  • Econômicos (produção solidária, distribuição justa).

A centralidade das mulheres na regeneração

Mulheres historicamente cuidam da terra, da água, das sementes, dos filhos, dos rituais e das redes. Ainda que frequentemente invisibilizadas, são guardiãs da regeneração cotidiana.

Planejar com mulheres não é apenas uma escolha ética, é uma estratégia eficaz e transformadora para resgatar vínculos, territórios e memórias que sustentam a vida.

Por que precisamos escutar as vozes femininas no planejamento territorial?

Gênero e território: uma relação estrutural

Os impactos da degradação ambiental e das desigualdades sociais recaem de forma diferente sobre homens e mulheres. Mulheres, especialmente as negras, indígenas, ribeirinhas e periféricas, são as mais afetadas por desastres ambientais, crises hídricas, perda de biodiversidade e insegurança alimentar.

Ao mesmo tempo, essas mulheres constroem estratégias de resistência e cuidado, organizam redes de solidariedade e sustentam economias de base comunitária que regeneram a vida em múltiplos níveis.

Dados que comprovam a diferença

Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), as mulheres produzem mais da metade dos alimentos do mundo, mas possuem menos de 20% da terra cultivável. No Brasil, de acordo com o IBGE, cerca de 70% das mulheres do campo enfrentam sobrecarga de trabalho, cuidando da produção agrícola e das tarefas domésticas, sem o mesmo reconhecimento ou remuneração que os homens.

Planejar regeneração sem ouvir essas vozes é perpetuar a desigualdade e comprometer a eficácia dos projetos.

Exemplos reais de planejamento regenerativo com mulheres no Brasil

Rede de Mulheres da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA)

No Nordeste brasileiro, a ASA articula dezenas de redes locais que unem mulheres agricultoras, agroecológicas e guardiãs de sementes crioulas. Elas lideram projetos de sistemas agroflorestais, cisternas de captação de água, feiras agroecológicas e formação em soberania alimentar. Tudo isso com base no planejamento participativo, nas escutas comunitárias e na valorização dos saberes femininos.

Mulheres da Floresta e o extrativismo sustentável

Na Amazônia, coletivos como o Mulheres Guerreiras da Floresta (AC) organizam planos de manejo sustentável, coleta de frutos nativos, bioeconomia e reflorestamento com espécies nativas. As decisões são tomadas de forma coletiva, com base nas necessidades locais e no conhecimento tradicional das mulheres da floresta.

As Tecelãs do Cerrado

Na Chapada dos Veadeiros (GO), grupos de mulheres quilombolas, indígenas e urbanas vêm formando redes para recuperar áreas degradadas com sementes crioulas, agroflorestas e plantas medicinais. Utilizam metodologias feministas de planejamento, como círculos de escuta e mapas afetivos, onde cada mulher desenha seu território e sua relação com ele.

Ferramentas e princípios do planejamento regenerativo com mulheres

Cuidado como princípio central

Planejar regenerativamente com mulheres significa colocar o cuidado no centro. Isso envolve desde a forma como se faz reuniões (respeitando horários das mães, por exemplo) até como se distribuem tarefas, escutam conflitos e definem prioridades.

Metodologias participativas

  • Cartografia social: para mapear afetos, memórias e ameaças ao território;
  • Escuta sensível: onde todas têm voz e tempo para falar;
  • Design regenerativo: inspirada na permacultura e na ecologia profunda;
  • Economia do cuidado: valorização do trabalho invisível realizado pelas mulheres.

Intergeracionalidade e ancestralidade

As mulheres mais velhas guardam conhecimentos essenciais sobre ervas, clima, sementes, práticas espirituais e gestão comunitária. Incluir essas vozes é um ato de justiça e estratégia para regeneração profunda.

Planejamento regenerativo como estratégia de resistência

Contra o extrativismo e o patriarcado

Muitas vezes, os territórios das mulheres são alvos de projetos de mineração, desmatamento e agronegócio predatório. Planejar regenerativamente é também resistir a esses modelos, propondo alternativas que sustentam a vida, a autonomia e a permanência nos territórios.

Um território que cuida e é cuidado

Quando o planejamento nasce da base, com escuta ativa, ele gera um território afetivo e político, onde cada pessoa sabe seu papel e sente-se pertencente. Isso fortalece a comunidade como um corpo vivo, capaz de se regenerar.

O que podemos aprender com as mulheres que planejam a regeneração?

Em muitos territórios do Brasil, são as mulheres que lideram processos regenerativos, da terra, das águas, das relações e das políticas públicas. São elas que mantêm viva a chama da agroecologia, organizam redes de cuidado, protegem sementes, criam alternativas ao extrativismo e constroem pontes entre passado e futuro.

Mas sua contribuição vai além da ação: elas nos ensinam a pensar diferente. A planejar de outro jeito. A sonhar com responsabilidade.

A seguir, cinco lições que florescem dos passos dessas mulheres:

1. Que o tempo da terra não é o tempo do mercado

Enquanto o mercado exige produtividade imediata, lucro trimestral e pressão constante, as mulheres da regeneração nos ensinam a respeitar os ciclos da natureza:

  • Que o milho não apressa a chuva.
  • Que o solo precisa descansar para frutificar com abundância.
  • Que há um tempo de plantar, outro de colher e ambos exigem presença e escuta.

Esse outro tempo — o tempo da terra, do corpo, da comunidade, desafia o relógio neoliberal e propõe uma economia baseada em vínculos, não em exploração.

2. Que escutar é tão importante quanto decidir

Planejar, para essas mulheres, não começa com gráficos, mas com rodas. Escuta ativa, partilha de histórias, valorização da oralidade e do saber vivido são práticas estruturantes.

Antes de levantar uma estufa ou desenhar um projeto, elas perguntam:

  • O que essa comunidade deseja?
  • O que essa terra precisa?
  • Quem não está na conversa e deveria estar?

A escuta é reconhecida como ato político e ferramenta de reparação histórica, porque inclui vozes muitas vezes silenciadas: de mulheres negras, indígenas, periféricas, idosas, crianças, e da própria natureza.

3. Que não existe regeneração sem justiça social

Regenerar a natureza sem regenerar relações é reflorestar cercas e cultivar desigualdades.

As mulheres nos mostram que:

  • Não há floresta viva com violência doméstica.
  • Não há agroecologia sem autonomia econômica.
  • Não há saúde ambiental sem soberania alimentar.

Planejar a regeneração, então, exige enfrentar o racismo ambiental, o machismo estrutural, o capacitismo e todas as formas de opressão que ferem a dignidade e o cuidado.

Essa visão amplia a sustentabilidade para além do verde, ela a pinta com todas as cores da justiça.

4. Que os mapas do território precisam incluir o afeto, a memória e o corpo

Os mapas feitos por mulheres não são frios, técnicos ou neutros. São tecidos com lembranças, cheiros, sons, perigos e segredos do lugar.

  • Onde hoje há um córrego poluído, antes havia um riacho onde elas lavavam roupa e partilhavam histórias.
  • O que para a prefeitura é “área degradada”, para elas é caminho de cura, cemitério de sementes, chão de memória.
  • Um lote vazio pode ser um espaço de futuro, onde se desenha uma horta, um terreiro, uma escola da mata.

Esses mapas sensíveis ressignificam o território, incluindo o corpo como instrumento de percepção e resistência.

5. Que planejar é sonhar coletivamente com os pés na terra

O planejamento das mulheres da regeneração não é plano fechado em gabinete, mas sonho compartilhado em rede. É resultado de conversas sob árvores, reuniões na cozinha, rodas de tambor, cadernos com desenhos infantis e lutas intergeracionais.

É um sonho com chão:

  • Com canteiro agroecológico e renda solidária.
  • Com escola que ensina a plantar e escutar.
  • Com rede de proteção para mães, bichos e rios.

Planejar assim é escolher não fazer sozinha, mas fazer com. É deixar que o projeto leve as marcas da coletividade e da sabedoria ancestral.
É permitir que a regeneração não seja só técnica, mas poética, política e possível.

Regenerar com as mulheres é regenerar o mundo

Planejamento regenerativo com mulheres não é apenas um modelo alternativo. É um caminho necessário para criar comunidades sustentáveis, saudáveis e justas. É também uma forma de honrar a história de quem, mesmo sem acesso a poder ou reconhecimento, sempre esteve regenerando, com as mãos, com o coração, com a ancestralidade.

Se queremos aplicar os ODS em nível local, precisamos começar pelas mulheres do território. Escutá-las, reconhecer sua liderança, valorizar seus saberes e apoiá-las na construção de futuros possíveis.

As mulheres da regeneração ensinam que o planejamento mais potente é aquele que nasce da escuta, do afeto e da responsabilidade com o todo.
Elas mostram que não é possível curar a terra sem curar as relações humanas, e que todo plano que ignora a diversidade da vida está fadado à repetição dos mesmos erros.

Elas não apenas apontam caminhos, já estão neles.

Nota de responsabilidade:

Este artigo é informativo e educativo, baseado em experiências reais e referências de políticas públicas. Para aplicar estratégias de planejamento regenerativo em comunidades, é recomendada a articulação com organizações especializadas, lideranças locais e assessoria técnica adequada.